Informe N.4_2021

Ana Paula Marcelino, Bruna Carvalho, Rita Santos
26 abr 2021
A pandemia causada pela disseminação do novo coronavírus no planeta expôs o esqueleto no qual se sustenta o neoliberalismo. O processo de individualização exacerbado e a concentração cada vez mais intensa de capital em poucas mãos se tornou mais evidente a partir do momento em que passou a existir uma ameaça coletiva. Em pouco mais de um ano de pandemia, a situação econômica mundial é bastante delicada. E no caso do Brasil, epicentro da pandemia, é desastroso. Um ponto de compreensão fundamental do atual estado em que o Brasil se encontra hoje começa em 2016.
A aprovação da PEC 55/2016 (teto dos gastos públicos), encaminhada como um suposto esforço para melhorar os gastos públicos, deu início ao aprofundamento da desigualdade estabelecida no país, produzindo um futuro economicamente instável e socialmente devastador. O desfecho político das eleições de 2018 ampliou o processo de reformas administrativas no Brasil e que teve um profundo impacto na forma de gestão das questões sociais. Um exemplo foi a Reforma da Previdência (EC 103/2019), aprovada com o intuito de reduzir o déficit previdenciário e que chega, em muitos casos, a tornar impeditivo o acesso à aposentadoria.
A inesperada situação de emergência sanitária mundial, por sua vez, colocou em xeque a eficácia social de todas essas manobras econômicas e tributárias. Já no início da pandemia, a Organização Mundial da Saúde recomendou a suspensão da emenda do teto de gastos, pois a manutenção da austeridade significava um risco social muito grande. Afinal, a redução de recursos para o Sistema Único de Saúde (SUS) atinge diretamente a capacidade de resposta aos diversos desdobramentos da pandemia.
O falso dilema entre saúde e economia
O dilema entre economia e saúde estabelecido e divulgado no contexto atual não se sustenta. É justo no investimento público em saúde e assistência social que está a saída para o efeito colateral da pandemia nas finanças do Brasil. Todavia, não é isso que tem sido feito, sim investimentos prioritários nos setores bancários.
Foi através de um pacote de investimentos da ordem de 1,2 trilhão destinados aos bancos que o Ministério da Economia realizou as suas primeiras ações de combate à pandemia, ainda em 24 de março de 2020. Ou seja, poucos dias depois que a primeira morte por Covid-19 havia acontecido no Brasil e bem antes da crise sanitária generalizada se instalar. Os bancos foram os primeiros a terem garantias de que, do ponto de vista econômico, a pandemia traria só uma uma pequena turbulência.
De acordo com dados da Receita Federal, a queda de 6,91% na arrecadação em 2021 teve como principal determinante a pandemia e “as medidas do governo para enfrentar a crise”. Esse resultado, considerado excelente pelo ministro da economia, é mais uma amostra de quais foram as prioridades do governo no enfrentamento da pandemia.O falso dilema entre economia e saúde hoje acumula mais de 385.000 mortos e 10 novos bilionários, segundo dados da Forbes.
Além do número de mortes e da alta concentração de capitais, evidenciada pelo aumento do número de bilionários, outro fator aprofunda a crise no país - o desemprego atingiu o maior patamar desde o início da série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Hoje temos a estimativa de 14 milhões de brasileiras e brasileiros fora do mercado formal. Esse aspecto, aliado ao aprofundamento da terceirização do trabalho (uberização) e à flexibilização das leis trabalhistas em virtude da crise sanitária, contribuíram para o caos econômico e social brasileiro. Essa flexibilização, o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, sancionada em junho de 2020 e recebida com entusiasmo pelo setor empresarial, foi recentemente questionada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), pois, conforme alegações da Central Única dos Trabalhadores (CUT), prejudicava as negociações trabalhistas coletivas, visto que promovia os acordos individuais entre o patrão e o empregado.
Com o aumento do número de desempregados, a dependência do sistema de seguridade social também aumentou. Mas, o socorro aos desempregados não foi proporcional ao dos bancos. Regulamentado pela lei nº 13.982/2020, o Auxílio emergencial de 600 reais, proposto pela bancada de oposição ao governo, foi implementado como medida orçamentária excepcional para enfrentar a crise. A iniciativa original do Ministério da Economia previa apenas R$200 para cada trabalhador informal, o que reduziria significativamente o investimento realizado.
Apesar dos impasses na aprovação do auxílio, seus impactos foram inegáveis. Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco revelou que o impacto médio da primeira rodada do auxílio emergencial no PIB brasileiro foi de 2,5%, o que permitiu um melhor desempenho do PIB no ano de 2020. Por ser uma política de transferência direta de recursos - como o Bolsa Família - o auxílio possui a capacidade de movimentar a economia de forma mais localizada, concentrada nos setores do comércio e de serviços, principalmente em cidades pequenas. Em 2020, o programa alcançou 67,9 milhões de beneficiários e um total de investimentos na ordem de R$ 288,7 bilhões.
Na economia do Nordeste, dados os determinantes sócio-econômicos, os impactos do auxílio emergencial são bastante significativos em relação às outras regiões do país. A região foi a segunda em acúmulo de recursos, com 32,6% do montante recebido, logo atrás do Sudeste com 38,3%. De acordo com dados da PNAD, a proporção de domicílios que tinha como única fonte de renda o auxílio emergencial foi maior nos lares nordestinos e chegou a ultrapassar o patamar de 12% na Bahia, no Piauí e no Maranhão. Na Paraíba os efeitos são significativos. De acordo com o 16º Boletim Covid-19 da Secretaria de Estado da Fazenda da Paraíba, segundo o levantamento, o valor total da arrecadação passou de R$ 559 milhões, em 2019, para R$ 661,5 milhões, em 2020. É a quinta alta consecutiva registrada no estado.
O boletim expõe dados do Imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS), Imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA) e Imposto sobre transmissão causa mortis e doação (ITCD). Os dados de janeiro de 2021 apontam para uma tendência de recuperação da receita própria do estado, após a retração constatada no período de abril a julho do ano de 2020. Os decréscimos coincidiram com o início da pandemia de Covid-19 com -8,62% em abril; -27,98% em maio; -6,98% em junho; e -4,15% julho, que foram recuperados logo em seguida a arrecadação começou a subir em agosto, com acréscimo de 10,54%; em setembro, com 3,77%; em outubro, com 0,17%; e novembro, com 4,25%. no mês de dezembro de 2020, registrou mais um crescimento acima de dois dígitos (18,34%).
Ela foi puxada mais uma vez pelo carro-chefe da arrecadação do Estado, o ICMS (18,62%), mas a retomada de crescimento foi iniciada no mês de agosto, isso se deu graças à concessão do auxílio emergencial. Em valores absolutos, o ICMS liderou o incremento da receita própria em R$ 116 milhões, seguido do IPVA com R$ 31,6 milhões. De abril a dezembro/2020 houve um superávit das receitas acumuladas do ICMS, IPVA e ITCD de R$ 136,6 milhões, resultando numa diferença positiva de 2,93% sobre igual período do ano anterior.
Os benefícios do auxílio emergencial vão além da economia. Sendo o distanciamento social a principal medida para frear a disseminação do vírus, garantir uma fonte mínima de renda aos mais afetados é, como apontou a economista Monica de Bolle, uma medida de saúde pública. Essa afirmação só corrobora o que desde o início especialistas das mais diversas áreas vêm apontando: não haverá recuperação econômica sem que a crise sanitária seja sanada.
A oposição, portanto, entre economia e pandemia não se sustenta. Cabe ao Estado assegurar as condições mínimas de existência nesse grave contexto de saúde pública. A ideia de que o auxílio emergencial é uma despesa precisa abrir espaço para a sua compreensão como investimento, uma saída oportuna para a grave crise econômica que se instalou no país. O auxílio emergencial permite a continuidade dos serviços, movimenta a economia e, ao fim, gera o aumento da arrecadação do próprio Estado. Manter as vidas com dignidade mostra-se portanto uma saída necessária para crise, não somente do ponto de vista econômico, mas, sobretudo, humano.