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Informes Epidemiológicos 9

Heloisa Wanick* e Ednalva Neves**

27 de julho de 2020

*Sanitarista, doutoranda em Antropologia pela UFPB.

**Médica e antropóloga, professora dos Programas de Antropologia e Sociologia da UFPB.



Fim da pandemia por Covid-19 em João Pessoa?


“Já passamos pelo pico da Covid-19 em João Pessoa”. A afirmativa do Secretário de Saúde de João Pessoa, Dr. Adalberto Fulgêncio, noticiada no dia 24 de julho, ecoa com esperança entre os pessoenses. O que isso significa? Isso quer dizer que os dias com maiores números de casos novos, óbitos e pessoas internadas estariam passando. Para o Sistema de Saúde, os dias de maior tensão teriam ficado para trás, com menos pessoas internadas e maior número de leitos nas UPAs e nas UTIs desocupados. Porém, isso não significa que a pandemia passou. Agora, é necessário mais prevenção e cuidado com a vida.


O Brasil ocupa o 2º lugar em número de casos e mortes. Em 26 de julho de 2020, chegamos a 87.074 óbitos e quase 2 milhões e meio de casos confirmados, segundo dados do Painel CoVida. No último dia 22, registrou-se o maior número de casos diários confirmados desde março: 66.150 casos, com 1.296 óbitos em um único dia. A pandemia não terminou!


Na Paraíba, o maior número de casos diários confirmados desde abril também ocorreu nesta última semana. Foram 2.128 na quarta; 2.132 na quinta-feira. Segundo o Painel CoVida, a sexta-feira registrou uma queda de 949 casos confirmados em relação à quarta-feira, o que pode ser uma esperança. Já em João Pessoa, o Painel Covid-19-João Pessoa registra um total de 16.589 casos e 590 óbitos confirmados até ontem, dia 26. 


De acordo com o Painel CoVida o número de casos diários confirmados oscilou bastante entre os dias 21 e 25 de julho, subindo de 133 casos no dia 21 para 667 casos no dia 23 de julho. No dia 24 há o número diminui, com o registro de 493 pessoas que foram a óbito. A curva no número de casos ainda é crescente, mesmo que, ao que parece, estar chegando a um patamar de estabilidade. Isso mostra que o número de casos novos vem diminuindo, mas fica o alerta: ainda temos casos novos por aqui!



Por que estamos com tanta dificuldade de controlar a pandemia por aqui?


Comparar a situação de países quanto ao controle da pandemia em meio a tantas incertezas é uma tarefa de risco. De qualquer forma, pontuamos algumas questões que estão se tornando mais evidentes quanto à dificuldade de controle da epidemia no Brasil. Fazemos isso a partir de reflexões partilhadas no curso livre Antropologia, saúde e cuidados em tempos de pandemia, ofertado pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFPB.


Primeiro, uma dificuldade do ponto de vista continental e político. Temos um território com enormes diferenças geográficas, históricas e culturais, mas também de densidade demográfica altamente variável. Tais diferenças permitiram a entrada e a circulação do vírus, facilitado pelo controle tardio dos portos e aeroportos e a manutenção de festividades, como o carnaval.


Temos uma brutal desigualdade econômica e social, “escancarada” no curso dessa pandemia. Precisamos lembrar a ocasião da inscrição para recebimento do auxílio emergencial, quando boa parte da população necessitada sequer tinha CPF regularizado e não teve acesso ao tal auxílio, diga-se de passagem, insuficiente. Isso precisa ser considerado. Os países que obtiveram sucesso no distanciamento social, uma medida global de contenção à pandemia, disponibilizaram apoio social aos seus cidadãos.


Um segundo ponto diz respeito ao sistema político e religioso e à desqualificação da ciência. O negacionismo do governo federal e do ministério da saúde provoca dificuldades de gestão da crise nos governos estaduais e municipais, além de exacerbar a falta de credibilidade e confiança das pessoas na capacidade de controle da pandemia pelo poder público. Quem vai ficar em casa à espera do governo, quando há terceiros dependendo delas? Infelizmente, o governo central sequer se deu ao trabalho de escutar a ciência e os conselhos de saúde para elaboração de um possível plano de combate a Covid. Não se fez um plano.


Na contramão dessa postura, com base na ciência e com muita responsabilidade, a Abrasco, com a parceria de outras instituições, lançou o Plano Nacional de Enfrentamento à Covid-19, que foi apresentado ao Ministério da Saúde e ao Conselho Nacional de Secretários de Saúde, disponível aqui.


Um terceiro ponto é o destaque dado à realidade biomédica ocidental, orientada por ideias relacionadas a risco e tecnologia, como modelos aparentemente infalíveis diante de qualquer ameaça. Essa orientação levou, sobretudo, a um investimento a partir de um modelo hospitalocêntrico: a corrida pela abertura de leitos, pelo achatamento da curva, a importação de respiradores, enfim, o enfrentamento à morte. E, mesmo com a adoção de um modelo de racionalidade biomédica, ainda assim, não fomentamos o nosso parque industrial para abastecimento de insumos médicos, ocasionando uma situação de severa dependência.


Aqui, há um fator central, a diferença de foco, quando se enfrenta a morte ou a vida. Destacamos duas situações: 1) a fala da primeira ministra da Nova Zelândia, Jacinta Ardern: “Nós não queremos achatar a curva. Nós não queremos a curva”; 2) outra situação é contada por Vilaça e traz a experiência com doenças de branco do povo Wari que consideram que “a doença não deve ser enfrentada, mas evitada, é preciso ir para longe dela”. Por isso, se isolam (nas florestas), exatamente o contrário do que estamos fazendo.


Focando um pouco mais, temos as diferenças entre capitais e interiores, e também no interior dos municípios. Este seria um quarto ponto. Para dar conta da multiplicidade de fatores que levam ou não uma pessoa e sua família a aderirem às medidas de prevenção às doenças, quem melhor que o agente comunitário de saúde? Não houve qualquer investimento ou plano de apoio a esses profissionais essenciais que tem potencial para fazer toda a diferença no controle de uma pandemia. Ou seja, trabalhamos a partir de uma escala de risco global, praticamente desconsiderando o local, o microssociológico comunitário.


E, como já vinha acontecendo, a Atenção Primária e a estratégia de saúde da família vêm sofrendo desmontes com falta de apoio e investimento, situação mais agravada no momento. Fica o recado: ainda é possível salvar vidas!


Relacionado a isso, conhecer o território é essencial. O mapeamento da evolução da doença no território é primordial para a elaboração de um plano de intervenção. Onde está o rastreamento e dos dados que, de fato, retratam a realidade da pandemia?


Finalmente aqueles países que estão enfrentando a pandemia, de forma mais segura e justa, são os que têm mulheres como lideranças; além disso, são países que têm menores diferenças na desigualdade social (melhores indicadores de desenvolvimento humano, sistemas ampliados de saúde/cuidado); e especialmente estabeleceram a vida como valor a ser cuidado.

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