População preta e parda já responde por mais de 50,1% dos óbitos por Covid-19 no Brasil

Phelipe Caldas
may. 13, 2020
Enquanto o Governo Federal tenta desqualificar pautas importantes do movimento negro e negar o racismo no país, as estatísticas escancaram a desigualdade racial.
Treze de abril de 1888. Exatos 132 anos atrás, completados nesta quarta-feira (13), era promulgada a Lei Áurea, que oficialmente aboliu a escravidão no país. E o termo “oficialmente” é importante destacar porque ainda hoje existe no Brasil uma desigualdade estrutural que coloca a população preta e parda majoritariamente abaixo da linha de pobreza. Que faz também com que essa parcela da população, segundo dados do próprio Ministério da Saúde, seja a maioria entre as vítimas da pandemia de coronavírus, respondendo atualmente por mais da parte 50% dos óbitos confirmados oficialmente.
É um dado emblemático. Principalmente porque o novo vírus entrou no país a partir de viajantes que chegaram ao Brasil vindos de países europeus, principalmente a Itália. Esses viajantes eram em sua maioria brancos, provenientes das classes médias e altas. Apesar disso, à medida que a doença foi se instalando no país, e à medida que as chamadas contaminações comunitárias (realizadas dentro do próprio território, entre a população local) foram se multiplicando, o perfil das vítimas foi sendo modificado.
Segundo o Boletim Epidemiológico Especial do Ministério da Saúde Número 9, publicado em 11 de abril de 2020, a população negra respondia a 34,4% dos óbitos causados pela nova doença em território brasileiro. Mas menos de um mês depois, no boletim número 15, publicado em 8 de maio, esse índice já era de 50,1% dos óbitos.
Ou seja, mesmo que a doença tenha sido importada pela população branca, e mesmo que não haja nenhuma evidência médico-científica de que o organismo dos negros seja mais afetado pelo vírus, esses já são maioria entre os mortos pelo Covid-19.
Para a pesquisadora Ana Margarida Andrade dos Santos, estudante de graduação de Antropologia da Universidade Federal da Paraíba, e que integra o Fórum de Mulheres em Luta da UFPB e o Núcleo de Estudantes Negros e Negras da instituição, essa realidade envolvendo a população negra no contexto da pandemia é mais uma prova da ausência de qualquer equidade na sociedade brasileira.
“Do ponto de vista social, está muito evidente que vamos continuar morrendo. Pouco foi feito nos espaços que estamos habitando. O vírus é para todo mundo, mas os efeitos são diferentes. Para a população pobre e, sobretudo, negra, ele é bem mais avassalador”, lamenta a pesquisadora.
Ana Margarida explica também que esse aumento no número de mortes envolvendo a população negra do Brasil apenas ratifica o que o movimento negro vem dizendo há muito tempo: “Os problemas no Brasil atingem mais quem está à margem, quem faz parte da parcela mais pobre da população. E esses são os espaços em que estão a população negra”.
Fundação Palmares sob ataque
Para além do problema do coronavírus, um debate sobre a data de 13 de maio torna-se ainda mais importante em meio ao Governo Bolsonaro, visto que ao longo desta quarta-feira a Fundação Palmares publicou vários artigos que tentam negar o racismo no Brasil e questionam justamente a importância e o protagonismo histórico de Zumbi dos Palmares, que dá nome à entidade pública federal.
A Fundação atualmente é comandada por Sérgio Camargo, um homem negro, mas que não fala em nome do movimento – e chegou a ter temporariamente sua nomeação suspensa juridicamente, por atitudes e posicionamentos incompatível com a função no órgão – e que, sob a tutela do presidente, tenta deslegitimar muitas das pautas da comunidade negra.
“O movimento negro perdeu um espaço muito caro para nós, que é a Fundação Palmares. Uma instituição que já foi de muita luta para nós, que ao lado do Incra teve papel importante na demarcação de comunidades quilombolas e que historicamente sempre realizou o fomento da cultura negra. E, agora, o Governo Federal está desmontando tudo o que o movimento negro, os pesquisadores negros, construíram ao longo de muito tempo”, explica Ana Margarida.
A pesquisadora pondera ainda que, ainda mais grave, é perceber que não existem muitas perspectivas de melhora neste atual momento político. “Nós, pesquisadores negros, estamos muito assustados, mas seguimos na luta”, pontuou.
E finaliza em tom enfático, agora sobre a questão do 13 de maio ser ou não a data suprema da liberdade da população negra brasileira: “No dia 14 de maio de 1888, estavam todos os nossos ancestrais ao léu. E muitos tiveram que voltar para os locais onde eram escravizados porque simplesmente não tinham para onde ir”.