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Povos indígenas da Paraíba lutam para manter laboratório de análises clínicas que funciona em Baía da Traição

Phelipe Caldas

jul 05, 2020

Povos indígenas da Paraíba lutam para manter laboratório de análises clínicas que funciona em Baía da Traição

 

Secretaria Especial de Saúde Indígena do Governo Federal ameaça fechar o equipamento que atende quase 20 mil indígenas do Estado

 

As comunidades indígenas paraibanas estão se mobilizando para tentar manter aberto um laboratório de análises clínicas localizado no município de Baía da Traição e destinado a atender a população indígena do Estado. O laboratório é único do tipo no país, é todo automatizado e com equipamentos de ponta, e funciona desde 1999, mas agora sofre a ameaça de ser fechado pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), órgão ligado ao Ministério da Saúde do Governo Federal.

 

Os indígenas foram informados no ano passado dessa possibilidade. Num primeiro momento, conseguiram reverter a decisão, mas recentemente receberam a notícia de que o novo secretário especial de Saúde Indígena, Robson Santos da Silva, segue com a intenção de fechar o laboratório, sob a alegação de que não existe previsão orçamentária para isso.

 

Atualmente, a Paraíba possui uma população aproximada de 20 mil indígenas, sendo que pouco mais de 15 mil deles são cadastrados no Sesai. E a grande maioria dessa população mora nos municípios do Litoral Norte do Estado, como Baía da Traição, Rio Tinto e Marcação. Um laboratório na região, portanto, é considerado como algo estratégico e de extrema importância.

 

O cacique geral do povo Potiguara, Sandro Gomes Barbosa, explica que o laboratório está localizado na Aldeia Forte e integra a estrutura do Polo Base de Baía da Traição do Distrito Sanitário Especial Indígena Potiguara. Ele destaca que, geograficamente, o laboratório está muito próximo das aldeias, o que torna mais fácil o acesso. “Fizemos um estudo no ano passado. Sairá muito mais caro para o Governo Federal encaminhar os indígenas que precisam fazer exames para Mamanguape ou para João Pessoa do que manter o laboratório funcionando”, pontuou.

 

 Ele disse também que já se reuniu com técnicos do Sesai em 2019 para pleitear a manutenção do equipamento, e que agora a ideia é realizar em paralelo uma campanha em prol do local. Pelas redes sociais, a princípio, principalmente por causa da pandemia de coronavírus, mas sem descartar a possibilidade de realizar mobilizações de rua caso o projeto de fechamento do laboratório siga em frente.

 

“O laboratório é muito importante para a gente. É uma diversidade de exames que temos acesso dentro de nossas próprias aldeias”, prosseguiu.

 

O laboratório em números

 

O farmacêutico bioquímico Mário César da Fountora, que há seis anos trabalha em áreas indígenas paraibanas e também no laboratório, e que o coordenou entre 2014 e 2019, explica que o laboratório de análises clínicas da Aldeia Forte realiza anualmente entre 35 e 40 mil exames. São mais de 30 tipos, das áreas de hematologia, bioquímica, urianálise, parasitologia e microbiologia. E, nos últimos tempos, vem realizando também testes rápidos de Covid-19.

 

Para ele, a velocidade dos resultados é um importante argumento em prol do laboratório. Todos eles saem num prazo máximo de três dias, mas em alguns casos de urgência esses podem sair em apenas poucas horas.

 

 “É uma ferramenta muito importante de apoio diagnóstico para as áreas de saúde que atendem as comunidades indígenas. Existe uma unanimidade por parte de médicos, enfermeiros e odontólogos que essa velocidade no resultado é fundamental para o bom atendimento. E isso só é possível porque estamos muito próximos dos indígenas”, ressaltou Mário César.

 

Ademais, ele enfatiza que a equipe do laboratório, formada atualmente por dois bioquímicos e dois técnicos de laboratório, faz também um trabalho de apoio mais direto, bem próximo dos indígenas, que é de extrema importância. “Temos equipamentos de ponta, que nos permitem realizar a grande maioria dos exames da assistência básica de saúde. Fazemos também os exames de pré-natal de indígenas gestantes. E quando é preciso, vamos até as aldeias fazer as coletas. Por exemplo, atendemos em casa os acamados”.

 

O técnico de enfermagem Renato José, por sua vez, que trabalha no Distrito Sanitário Especial Indígena Potiguara, diz que acompanha de perto o trabalho do laboratório e que pode atestar a sua importância. “Estamos muito preocupados com a possibilidade de perder o laboratório. Os indígenas serão muito prejudicados se precisar fazer uma rota até cidades mais distantes para realizar um exame”. De acordo com ele, é uma estrutura caríssima, já totalmente montada, e que não pode ser simplesmente perdida. “O indígena paraibano hoje praticamente não precisa sair de sua aldeia para ter acesso a esse tipo de exame. Isso é uma conquista muito importante que não pode retroceder”, concluiu.

 

Antropólogo fala em retrocesso

 

O professor Estevão Palitot, da Universidade Federal da Paraíba, que há quase 20 anos pesquisa e dialoga com os povos indígenas nordestinos e que integra o Observatório Antropológico de Covid-19 da UFPB, declara que a perda de um laboratório de referência como esse, principalmente se considerar que ele é o único localizado dentro de terras indígenas brasileiras, representaria um “grande retrocesso”, que colocaria os direitos indígenas e o próprio funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) em risco.

 

“No contexto da atual pandemia, perder um recurso material e humano dessa monta seria muito ruim. É importante que haja uma pactuação das diversas esferas de governo para evitar que isso aconteça. Afinal, trata-se de um serviço que existe há mais de 20 anos e que tem conseguido atingir metas muito interessantes no atendimento à população indígena paraibana”, opinou.

Imagem do Laboratório: Arquivo Pessoal /Mário César da Fontoura.

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